Professora Márcia Abreu, do Instituto de Estudos da Linguagem, UNICAMP. Imagem: disponível em Sala de Imprensa – Jornal da Unicamp
A obra Cultura Letrada – Leitura e Literatura, da professora da Unicamp, Márcia Abreu, é uma incrível introdução à literatura, e também, um didático apoio para quem está iniciando os estudos em Teoria da Literatura, além disso, para nos instigar a não responder o óbvio quando nos for perguntado: O que é literatura? ou O que é considerado literatura erudita?
Falarei acerca de alguns capítulos nesta postagem e o restante em uma próxima postagem, ok?
O livro tem 128 páginas e os assuntos são divididos nos seguintes capítulos:
- Introdução: Literatura, leitura, cultura.
- “Ninguém deixará de reconhecer a excelência da estética dessas páginas” – o texto literário e o seu valor
- “Infelizmente, não poderemos publicar o sua obra” – o nome do autor e o juízo estético
- “Versos simples e rudes produzidos pela cultura popular” – o nome do autor e o juízo estético
- “A Literatura é forma de humanização do sujeito” – quando os leitores de contam aos milhares
- “É, sem dúvida, uma obra-prima de todos os tempos” – os critérios de avaliação e o tempo
- Conclusão: Somos todos diferentes
Após o sumário, Abreu nos apresenta um curto diálogo entre uma professora e seus alunos, cada um apresentando seu ponto de vista acerca de literatura boa ou não. A professora pontua a importância da leitura dos clássicos e de livros consagrados, enquanto os alunos retrucam, explicando o que eles preferem. A partir daí, Abreu inicia seus questionamentos: todos devem apreciar os mesmos tipos de textos?
Em seguida, na introdução, Abreu expõe listas que elegem os melhores livros do século, os melhores escritores brasileiros do século, e, por fim, os livros de ficção mais vendidos do ano de 1999. Dessa maneira, a autora demonstra que “não há consenso quando se trata de gosto, e especialmente, de gosto literário” (ABREU, 2006). Mas, ela também nos apresenta que, assim como os leitores divergem em gostos literários, os rankings também são relativos e sempre haverá distinção sobre qual é o melhor, pois todos nós temos gostos distintos.
O primeiro capítulo inicia com um texto analisado em “close reading” por Márcia Abreu, detalhando os elementos próprios da constituição de narrativas: personagens, enredo, ambiência, linguagem, tempo e foco narrativo. Então, a autora inicia análises e discussões a partir de um texto aleatório de um jornal, de um texto escrito por uma criança e de uma obra de um poeta que provavelmente está entre os melhores do Brasil, entretanto, os textos comparados têm os mesmos parâmetros e princípios, mas um é considerado literatura e o outro “precisa de correção”. Ainda que os textos apresentem as mesmas características, não são vistos da mesma maneira, uma vez que o poema é de um autor consagrado e o outro poema é de uma criança de dez anos. Como dito por Abreu: A beleza está nos olhos de quem lê. É a partir daí que ela nos conduz ao questionamento sobre qual a diferença entre os textos? Por que um é considerado literatura e o outro não?
“Esses casos devem ter deixado claro que a literariedade não está apenas no texto – os mais radicais dirão: não está nunca no texto – e sim na maneira como ele é lido. Um “mesmo” texto ganha sentidos distintos de acordo com aquilo que se imagina que ele seja: uma carta ou um conto, um poema ou uma redação” Abreu, p.29.
Em seguida, é apresentada uma questão de vestibular que tratava da definição de literatura, em 2000. Detalhadamente, Abreu tenta resolver a questão de vestibular. Entre uma comparação e outra, utiliza os termos “legitimação” e “Grande Literatura”. Ambas têm ligação, pois a legitimação das obras literárias ocorrem quando algumas instâncias de legitimação classificam uma obra como literária e, às vezes, como Grande Literatura. Mas aí nos perguntamos: e o que são as instâncias de legitimação? Como são várias, citarei algumas: universidades, revistas especializadas, editoras, bienais, prêmios, monumentos e etc. Então, uma obra será legitimada como Literatura quando for reconhecida ou legitimada por uma dessas instâncias ou, de preferência, por várias.
O segundo capítulo inicia com um quadro que inicialmente parece um quadro muito simples e, para alguns, nada artístico, até explicitar que se trata de uma obra de uma artista plástica bastante legitimada, Tomie Ohtake. Ao longo do capítulo, nos são evidenciadas diversas obras que não receberam prestígio até ser revelado que fossem de um autor renomado, como Machado de Assis. Em 1999, a Folha de São Paulo fez uma “pegadinha”, enviando a obra Casa Velha sem dizer que era de Machado de Assis, para editoras. Em seguida, nenhuma das editoras nem sequer se interessaram pela obra, nem reconheceram que era de um autor consagrado e canonizado. No mesmo capítulo é discutido comparações de obras de séculos passados, como poemas gaélicos de Ossian, James Macpherson, Mário de Andrade, e etc. Deste modo, Abreu argumenta que para compreender uma obra deve ser compreendido também o contexto sociocultural que ela se insere: é importante levar em conta o gênero no qual a obra é produzida e o autor, para que o leitor compreenda de forma adequada, tomando como base que o considerado literatura hoje não é o que se considerava nos séculos passados
Abreu introduz o terceiro capítulo dissertando acerca dos diferentes gostos literários, que, como comentado no segundo capítulo, varia de época para época e também de formação social, grupo social e por aí vai. Abordando a temática de leitura, Abreu comenta sobre o fato de muitos pensarem que brasileiro não tem interesse pela cultura, dessa forma, ela inicia a história dos folhetos – os cordéis –, informando que a publicação dos folhetos começa no final do século XIX, na Paraíba, e que eram vendidos milhares de folhetos, em todos os cantos, tornando possível seu conhecimento também pelo grande número de analfabetos. Entretanto, para ser um cordelista não era tão simples assim, como explicado na página 62, os folhetos tinham formatos métricos, quantidade de versos para cada formato e, ainda, cada tamanho determinava também o gênero dos escritos. Conclui-se que não era um literatura popular tão simples: era preciso associar destreza poética e habilidade comercial. Em seguida, Abreu nos apresenta os três princípios da composição poética: métrica, rima e oração.
Após algumas apresentações de formatos dos folhetos de cordel, nos é mostrada a história de uma antropóloga, Laura Bohannan, que estava em contato com os Tiv, povo da África Ocidental. Bohannan conta aos Tiv a história de Hamlet. Os anciões Tiv eram muito críticos e examinaram a obra de Shakespeare de uma maneira muito distinta do que, em geral, faziam os europeus. Em seguida, Abreu comenta que, assim como os Tiv criticaram Hamlet, o cordelista João Martins de Athayde também não viu a famosa tragédia de Romeu e Julieta como uma boa obra, levando em consideração que os valores literários do cordelista nordestino visam honra familiar e vingança. Dessa maneira, Abreu compara a interpretação dos Tiv com a questão da variedade de significações que uma obra tem dependendo do grupo cultural que está lendo. Desse modo, Abreu afirma não existir uma apreciação estética universal. A interpretação de uma obra dependerá de quem lê, em que contexto está, do grupo social, da época e do gênero em questão.