Lévi-Strauss – Raça e História

Nosso blog hoje refletirá um pouco sobre “Raça e História”, ensaio do antropólogo Claude Lévi-Strauss, publicado em 1952, a pedido da UNESCO, no âmbito de uma discussão para o mundo pós-II Guerra, especialmente em torno a19img01.gifda ideia de raça. Vejamos juntos.

Assim começa o escrito do renomado antropólogo francês: “Nada, no estado atual da ciência, permite afirmar a superioridade ou inferioridade intelectual de uma raça em relação a outra”. Logo podemos entender que ele veio para disseminar que nenhuma sociedade ou cultura, raça ou religião, etnias ou povos é superior a nenhuma. Dito isso, Lévi-Strauss questiona as teorias evolucionistas e acrescenta que a noção de superioridade racial apenas foi criada para justificar formas e ideais de dominação. Mesmo que haja um longo histórico de se olhar para uma civilização ocidental como única, como central, deve-se perceber que todas as culturas têm seu próprio desenvolvimento, pelo simples fatos de que nenhuma gostaria de permanecer atrasado em relação a outra.

Então, de acordo com Strauss, podemos afirmar que desde o começo dos tempos as tribos ou povoados criavam, construíam de forma simultânea e única, visto que os povos não se relacionavam tanto como hoje. Não se relacionavam como hoje, pois com a globalização e as tecnologias se a comunicação alcançou um novo patamar, mas já havia povos que, por proximidade geográfica, histórica e sociológica, se relacionavam, se comunicavam, mantinham trocas, uma dessas trocas eram de mulheres, cultura, como era de se esperar e também de mercadorias. É importante ressaltar que no texto Strauss afirma que nenhuma cultura vive isoladamente.

Estes povos, diferentes entre si, conscientemente podem se parecer, justo por essa interação, proximidade, ou mesmo pela distância, as descobertas eram únicas e isso produzia e partilhava dessa simultaneidade. Pode-se perceber então, que ricas eram/são as diversidades culturais existentes, antes, durante e depois dos tempos. Logo não se pode comparar, por exemplo, o Império Inca com o de Daomé, por si só são distintas e distantes, cada uma originando feitos simultaneamente e diante mão é impossível voltar no tempo para se comparar uma a outra. Mais evidente se vê nos estudos da linguística diacrônica que ofereceu exemplos surpreendentes de tais fenômenos, usa-se o exemplo de como o russo se diferenciou de outras línguas eslavas para se aproximar das faladas por seus vizinhos.

Concluindo a leitura de “Raça e História” podemos perceber que todo progresso cultural se dá pela interação entre as culturas e isso se dá pelo fato (consciente ou inconsciente, voluntário ou involuntário, intencional ou acidental) das possibilidades de seu desenvolvimento. Por fim, pode-se afirmar que a diversidade sempre deverá estar presente nas diversas culturas, e ela não pode ser vista como algo negativo, mas pelo contrário: ela se faz necessária para a evolução. A chave para o progresso é a diversidade das culturas que está atrás de nós, à nossa volta e à nossa frente, assim a única exigência que podemos fazer valer é a de respeitar a contribuição que cada uma teve para o desenvolver dos povos e raças.

Carolina Maria de Jesus – Quarto de Despejo

Carolina Maria de Jesus, uma mulher extremamente pobre e simples, demonstrava um enorme senso crítico. Com sua paixão pela leitura, Carolina escreve um diário – Quarto de Despejo – Diário de uma favelada –, que narra uma história de dor, fome, sofrimento e angústia dos favelados na São Paulo dos anos 1950. O texto de Carolina é um dos marcos da escrita feminina no Brasil.

Quarto de Despejo – Diário de uma favelada, é literatura?

Ao iniciar a leitura do livro, de imediato, qualquer pessoa, poderia dizer: “Não! De fato, esse livro não é literatura”. Mas que argumentos essa pessoa utilizaria para sustentar sua afirmação? Creio que ela responderia: “É bastante claro que a linguagem utilizada e a ortografia do texto é suficiente para classificá-lo como não literário”.

Porém, utilizando argumentos de Antonio Candido, Márcia Abreu e Tzvetan Todorov, respectivamente em “O direito à literatura”, Cultura letrada e A literatura em perigo, vou pensar o livro de Carolina como literatura.

O gênero do livro de Carolina não é comum entre os livros literários, mas esse gênero permite que ela organize o seu texto em consonância com as formas ordenadoras que Antonio Candido diz serem necessárias para um livro ser considerado literatura. Quais formas ordenadoras estão presentes em Quarto de despejo? Carolina quase sempre inicia o texto do dia contente ou indo pegar água, segue-se uma constante luta em busca de alimento e finda-se com ela cansada ou satisfeita com o dia.

Outro argumento é a humanização, defendida tanto por Márcia Abreu como por Antônio Cândido e Tzvetan Todorov. Para Abreu, a literatura nos transforma em pessoas melhores, nos proporciona saber como é estar na pele de uma pessoa que leva uma vida diferente da nossa, passando por situações inusitadas. Em geral os leitores se identificam com os personagens e acabam se tornando mais humanos.

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 Carolina Maria de Jesus durante a noite de autógrafos do livro Quarto de Despejo, em São Paulo, 1960.

Para Candido, a humanização pode ser entendida como o exercício da reflexão, o afinamento das emoções, a empatia para com o próximo, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, a aquisição do saber, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. Consigo ver isso claramente quando Carolina diz: “… O Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já passou fome. A fome também é professora.” (p.26). Para algumas pessoas, será apenas uma frase qualquer, mas se observada com atenção ela pode fazer qualquer um refletir sobre o impacto que isso pode causar no leitor. Quanta fome Carolina passou a ponto de identificar a fome como professora? Como eu me sinto em relação a essa frase? Como você se sente em relação a essa frase? Creio que o sentimento das pessoas que leem esse fragmento de Quarto de Despejo seja semelhante ao meu. Um sentimento de tristeza, causado pela impotência que sentimos diante de situações assim, porém, isso nos torna pessoas melhores, pois o nosso esforço para ajudar pessoas menos favorecidas que nós será maior.

Por último, mas não menos importante, gostaria de considerar reflexões de Todorov. Ele afirma que a literatura pode muito. Ela pode nos estender a mão quando estamos profundamente deprimidos, nos tornar ainda mais próximos dos outros seres humanos que nos cercam, nos fazer compreender melhor o mundo e nos ajudar a viver. Lendo o texto de Carolina eu vi a literatura estendendo a mão a ela, depois de um dia muito cansativo, Carolina, escreve: “Li um pouco. Não sei dormir sem ler. Gosto de manusear um livro. O livro é a melhor invenção do homem.” (p.22) Mesmo com todas as suas preocupações, desilusões e luta Carolina ainda consegue um tempo para ler, isso é muito precioso, ela não dorme sem ler, ela classifica o livro como a melhor invenção do homem. Você já parou para pensar por que Carolina não consegue dormir sem ler? Por que ela classifica o livro como a melhor invenção do homem? Todorov já nos deu a resposta para essas perguntas, Carolina escreve isso porque a literatura é o seu refúgio.

Partindo dos argumentos de Abreu, Candido e Todorov a respeito da humanização, Quarto de Despejo está bem amparado, pois nos traz temas como a fome, o alcoolismo, o preconceito, o consumo, o sofrimento, a violência, a religião, entre outros temas sobre os quais a sociedade precisa refletir.

Antonio Candido afirma: “Ela – a literatura – tem muito a ver com a luta pelos direitos humanos”. Depois de ler Quarto de Despejo e essa citação de Candido, eu pergunto: Quarto de Despejo – Diário de uma favelada, é literatura?

Tzvetan Todorov – A Literatura em Perigo

Segundo Caio Moreira apresenta na introdução do livro A Literatura em Perigo, para aqueles que estão familiarizados com o trabalho do Tzvetan Todorov, o livro em questão será uma surpresa. Todorov ficou conhecido ao longo do século XX como um estudioso da abordagem formalista, tendo em muitos de seus livros uma “aplicação direta do estruturalismo no campo da literatura”.

Durante a minha leitura do livro A Literatura em Perigo fui apresentada a uma nova forma de estudá-lo: dividindo-o em três partes. Na primeira parte – Prólogo, A literatura reduzida ao absurdo e Além da escola – o autor dá ao texto um tom autobiográfico. Neste primeiro bloco Todorov nos apresenta a sua relação com a literatura. Analisa e faz uma crítica ao estudo e o ensino da literatura em escolas de nível médio e superior na França que, segundo, o autor possui um caráter estruturalista, enquanto, em meio a tudo isso, levanta importantes questionamentos como: “ao ensinar uma disciplina, a ênfase deve recair sobre a disciplina em si ou sobre seu objeto? ”.

No segundo bloco – Nascimento da estética moderna, A estética das luzes e Do romantismo às vanguardas – o autor analisa, de forma didática, como a literatura foi pensada e estudada durante os séculos. Essa análise passa por Aristóteles e a poesia como imitação da natureza e Horácio, como algo que deve agradar e instruir. Logo depois, temos o Renascimento e a poesia bela definida pela verdade e sua contribuição ao bem. Seguindo para o Iluminismo, o Romantismo, o autor vai analisando assim a relação da poesia, ou da literatura, com o autor e com os leitores.

No terceiro e último bloco – O que pode a literatura e Uma comunicação inesgotável – Tzvetan Todorov discorre sobre o poder da literatura que “pode nos estender a mão quando estamos profundamente deprimidos, nos tornar ainda mais próximos dos outros seres humanos que nos cercam, nos fazer compreender melhor o mundo e nos ajudar a viver”, em outras palavras, humaniza.  Todorov conclui, no fim do livro, que o ensino da literatura não deve ser feito apenas para ilustrar e introduzir conceitos, mas sim como exemplo, com uso de obras literárias, das diversas aplicações da linguagem e do discurso.

Um último tópico que gostaria de abordar foi citado nas primeiras linhas do texto e diz respeito às críticas realizadas por Todorov sobre as abordagens formalista, ou “concepção redutora da literatura”, e marxista. O autor aponta que essa visão estruturalista não está presente somente no ensino, como também em várias obras literárias que cultivam “a construção engenhosa, os processos mecânicos de engendramento do texto, assimetrias, os ecos e os pequenos sinais cúmplices”. Quanto à crítica sobre os estudos literários marxistas, esta ocorre principalmente quando o autor se refere à submissão da literatura aos objetivos políticos do momento. No lugar de ambas as abordagens, Todorov propõe a visão da literatura humanizadora, ou seja, um estudo da literatura que estimule reflexão.

Foto: O filósofo Tzvetan Todorov, em sua casa em Paris por Eric Hadj

Márcia Abreu – O que é literatura? (Parte 1)

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Professora Márcia Abreu, do Instituto de Estudos da Linguagem, UNICAMP. Imagem: disponível em Sala de Imprensa –  Jornal da Unicamp

A obra Cultura Letrada  – Leitura e Literatura, da professora da Unicamp, Márcia Abreu, é uma incrível introdução à literatura, e também, um didático apoio para quem está iniciando os estudos em Teoria da Literatura, além disso, para nos instigar a não responder o óbvio quando nos for perguntado: O que é literatura? ou O que é considerado literatura erudita?

Falarei acerca de alguns capítulos nesta postagem e o restante em uma próxima postagem, ok?

O livro tem 128 páginas e os assuntos são divididos nos seguintes capítulos:

  1. Introdução: Literatura, leitura, cultura.
  2. “Ninguém deixará de reconhecer a excelência da estética dessas páginas”  – o texto literário e o seu valor
  3. “Infelizmente, não poderemos publicar o sua obra”  – o nome do autor e o juízo estético
  4. “Versos simples e rudes produzidos pela cultura popular”  – o nome do autor e o juízo estético
  5. “A Literatura é forma de humanização do sujeito”  – quando os leitores de contam aos milhares
  6. “É, sem dúvida, uma obra-prima de todos os tempos”  – os critérios de avaliação e o tempo
  7. Conclusão: Somos todos diferentes

Após o sumário, Abreu  nos apresenta um curto diálogo entre uma professora e seus alunos, cada um apresentando seu ponto de vista acerca de literatura boa ou não. A professora pontua a importância da leitura dos clássicos e de livros consagrados, enquanto os alunos retrucam, explicando o que eles preferem. A partir daí, Abreu inicia seus questionamentos: todos devem apreciar os mesmos tipos de textos?

Em seguida, na introdução, Abreu expõe listas que elegem os melhores livros do século, os melhores escritores brasileiros do século, e, por fim, os livros de ficção mais vendidos do ano de 1999. Dessa maneira, a autora demonstra que “não há consenso quando se trata de gosto, e especialmente, de gosto literário” (ABREU, 2006). Mas, ela também nos apresenta que, assim como os leitores divergem em gostos literários, os rankings também são relativos e sempre haverá distinção sobre qual é o melhor, pois todos nós temos gostos distintos.

O primeiro capítulo inicia com um texto analisado em “close reading” por Márcia Abreu, detalhando os elementos próprios da constituição de narrativas: personagens, enredo, ambiência, linguagem, tempo e foco narrativo. Então, a autora inicia análises e discussões a partir de um texto aleatório de um jornal, de um texto escrito por uma criança e de uma obra de um poeta que provavelmente está entre os melhores do Brasil, entretanto, os textos comparados têm os mesmos parâmetros e princípios, mas um é considerado literatura e o outro “precisa de  correção”. Ainda que os textos apresentem as mesmas características, não são vistos da mesma maneira, uma vez que o poema é de um autor consagrado e o outro poema é de uma criança de dez anos. Como dito por Abreu: A beleza está nos olhos de quem lê. É a partir daí que ela nos conduz ao questionamento sobre qual a diferença entre os textos? Por que um é considerado literatura e o outro não?

“Esses casos devem ter deixado claro que a literariedade não está apenas no texto – os mais radicais dirão: não está nunca no texto – e sim na maneira como ele é lido. Um “mesmo” texto ganha sentidos distintos de acordo com aquilo que se imagina que ele seja: uma carta ou um conto, um poema ou uma redação” Abreu, p.29.

Em seguida, é apresentada uma questão de vestibular que tratava da definição de literatura, em 2000. Detalhadamente, Abreu tenta resolver a questão de vestibular. Entre uma comparação e outra, utiliza os termos “legitimação” e “Grande Literatura”. Ambas têm ligação, pois a legitimação das obras literárias ocorrem quando algumas instâncias de legitimação classificam uma obra como literária e, às vezes, como Grande Literatura. Mas aí nos perguntamos: e o que são as instâncias de legitimação? Como são várias, citarei algumas: universidades, revistas especializadas, editoras, bienais, prêmios, monumentos e etc. Então, uma obra será legitimada como Literatura quando for reconhecida ou legitimada por uma dessas instâncias ou, de preferência, por várias.

O segundo capítulo inicia com um quadro que inicialmente parece um quadro muito simples e, para alguns, nada artístico, até explicitar que se trata de uma obra de uma artista plástica bastante legitimada, Tomie Ohtake. Ao longo do capítulo, nos são evidenciadas diversas obras que não receberam prestígio até ser revelado que fossem de um autor renomado, como Machado de Assis. Em 1999, a Folha de São Paulo fez uma “pegadinha”, enviando a obra Casa Velha sem dizer que era de Machado de Assis, para editoras. Em seguida, nenhuma das editoras nem sequer se interessaram pela obra, nem reconheceram que era de um autor consagrado e canonizado. No mesmo capítulo é discutido comparações de obras de séculos passados, como poemas gaélicos de Ossian, James Macpherson, Mário de Andrade, e etc. Deste modo, Abreu argumenta que para compreender uma obra deve ser compreendido também o contexto sociocultural que ela se insere: é importante levar em conta o gênero no qual a obra é produzida e o autor, para que o leitor compreenda de forma adequada, tomando como base que o considerado literatura hoje não é o que se considerava nos séculos passados

Abreu introduz o terceiro capítulo dissertando acerca dos diferentes gostos literários, que, como comentado no segundo capítulo, varia de época para época e também de formação social, grupo social e por aí vai. Abordando a temática de leitura, Abreu comenta sobre o fato de muitos pensarem que brasileiro não tem interesse pela cultura, dessa forma, ela inicia a história dos folhetos – os cordéis –, informando que a publicação dos folhetos começa no final do século XIX, na Paraíba, e que eram vendidos milhares de folhetos, em todos os cantos, tornando possível seu conhecimento também pelo grande número de analfabetos. Entretanto, para ser um cordelista não era tão simples assim, como explicado na página 62, os folhetos tinham formatos métricos, quantidade de versos para cada formato e, ainda, cada tamanho determinava também o gênero dos escritos. Conclui-se que não era um literatura popular tão simples: era preciso associar destreza poética e habilidade comercial. Em seguida, Abreu nos apresenta os três princípios da composição poética: métrica, rima e oração.

Após algumas apresentações de formatos dos folhetos de cordel, nos é mostrada a história de uma antropóloga, Laura Bohannan, que estava em contato com os Tiv, povo da África Ocidental. Bohannan conta aos Tiv a história de Hamlet. Os anciões Tiv eram muito críticos e examinaram a obra de Shakespeare de uma maneira muito distinta do que, em geral, faziam os europeus. Em seguida, Abreu comenta que, assim como os Tiv criticaram Hamlet, o cordelista João Martins de Athayde também não viu a famosa tragédia de Romeu e Julieta como uma boa obra, levando em consideração que os valores literários do cordelista nordestino visam honra familiar e vingança. Dessa maneira, Abreu compara a interpretação dos Tiv com a questão da variedade de significações que uma obra tem dependendo do grupo cultural que está lendo. Desse modo, Abreu afirma não existir uma apreciação estética universal. A interpretação de uma obra dependerá de quem lê, em que contexto está, do grupo social, da época e do gênero em questão.